sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

do caderno das memórias inventadas.



ela acordou desejando de um jeito mais forte hoje.
queria a felicidade e pronto.
pôs-se a pensar nos acontecimentos da vida. mas suas memórias eram as mesmas de sempre, as memórias da menina melancólica. usou música prá retomá-las. nada. usou cores. não. pelo querer demais começou a imaginar desfechos diferentes, curvas prá lá, curvas prá cá... e foi ficando bom assim. mas como fazer prá gravar essas memórias inventadas bem gravadas, bem fincadas, lá no fundo? isso não dava, mas ela fez que sim. e comprou um caderno. todo dia de manhã iria escrever ali uma memória inventada do jeitinho dela. quer dizer, do jeitinho que não era dela. prá ser mais feliz. e ficou feliz assim. hoje.
ah! começou com um balão e uma lebre.

publicado em 04/02/2010.

nem bem fundo.

foi querer subir a escadaria correndo, prá chegar a tempo de mostrar o novo vestido rosa salmão, que lhe afinava a cintura e dava aos seus ares um cheirinho de algodão doce, uma fantasia pueril. ia sorrindo e doida de feliz e de fogo, o coração aos pulos primeiros degraus.

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mas nada,
dava tempo de descrever cheirinho de vestido nada,
logo veio ELA, lhe estapear a cara, lambuzar-lhe de vergonha, passar-lhe a rasteira, jogar-lhe humilhada, escada abaixo. PUTA.
asma.

publicado em 04/01/2010.

todo dia no ônibus.


sempre naquela curva à direita, ela marcava com o dedo a página do livro e erguia a cabeça, olhando do seu lado direito e sentindo no rosto o vento quente. naquela descida o motorista pirava sempre e ia à toda. ela, sacolejando violentamente, imaginava à cada esquina um acidente, seu corpo sentindo o bruto impacto, a inconsciência, a morte não. dela, ele sentia um medo que não se diz. e depois sorria. sorria boba por ter aquela uma aventura. no fim da descida, depois da curva à esquerda, ela não voltava logo ao livro, e ia olhando as cenas nas ruas, pensando e sentindo tudo como estrangeira, como todo dia. num lance, virava-se prá dentro e sorria prá passageira ao lado. sem sorriso de volta, voltava ao livro.

publicado em 04/12/2009.

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todo desejo, todo grito, todo medo, todo abismo, todo escuro veio morar nela hoje.
ela só queria se deitar na cama e silenciar.

publicado em 04/11/2009.

rimas de menina.

todo dia é assim, tem mato e sede no jardim.
encho a mesa da varanda de bolos lindos feito sonhos.
enfeito os cantos, canto e penso,
que essa varanda é o mundo todo.
mas se eu distraio lá vem coro,
se não tem colo tem só choro,
danço, embalo, canto e conto,
até velar sono a sono.
de tardezinha, hora da boa, tiro as roupas do varal,
aumento o som, olho pro céu e sento um pouco no degrau.
às vezes choro só um pouquinho, às vezes chego a esperar.
desembaraço, faço tranças e quase esqueço do jantar.
nas madrugadas, no silêncio,
sou só eu a costurar,
o meu vestido rodado que é lindo de suspirar.
e na manhã que terminar, vou sair de blush e laço,
vou encontrar o meu par e vou morar no seu abraço.

publicado em 04/10/2009.

nada.


hoje chove.
ela sempre se sentia estrangeira em dias de sol. ela, que era cinzenta, medrosa, cabisbaixa e gorda, ainda acreditava nas coisas da tv e pensava poder mudar, abandonar essa vergonha e ir ser outra pessoa, assim, como quem se muda de casa. queria uma gotinha de esplendor, um tiquinho de beleza, uma surpresa. mas o que fazia era sempre estar no escuro, em lugar vazio, debaixo do edredon, sem. ela, que rabiscava papéis, que não tinha objetivos, que se distraía com tudo, que não se reconhecia em nada nem controlava os próprios pensamentos, desprezava pessoas assim como ela. ela não era o amor de ninguém e apesar de só saber dizer dela, ela não sabia nada de si.
ela olhava pela janela. a chuva.

publicado em 04/09/2009.

prá embelezar nossas páginas.




quando vi esse ensaio não pude deixar de publicar algumas das fotos aqui, mesmo correndo o risco de ser repetitiva para muitos.
gustav klimt e suas delícias indizíveis foi homenageado nesse ensaio fotográfico, produzido pelo estudio kattaca para a revista ae.
fotografia de moises gonzález, maquiagem de yurema villa e cabelo de raul zarco. mais fotos aqui: http://www.behance.net/Gallery/La-Esencia-de-Klimt/50709.

publicado em 04/08/2009.

jururu


de passagem, vou contar.
há bem poucas janelas abertas.
"ela anda tão jururu."
pode bem ser coisa de amor.

publicado em 04/07/2009

dela, que quer acariciar arrepios.


prá poder escrever, disfarçava a letra.
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não, dedos medrosos, ela não se toca nunca e só se masturba com a água do chuveirinho. encobre o som, barulhinho bom. esses outros cheiros que encobrem outros cheiros. a água do banho leva tudo pro ralo. ralo é coisa de nojo, ninguém gosta. mas pronto, pronto, foi tudo embora.
ela nunca se olha no espelho por baixo como fazem aquelas mulheres que ela viu na tv, ah, mas ela quer, ela quer tanta coisa vergonhosa... todo dia aplaca alguns vulcões e sente vontade de rir ou gargalhar com os olhos fechados e a cabeça assim meio prá trás, como quem já não se importa com mais nada. tem vontade de experimentar a liberdade dos loucos e ouve todo o tempo os choramingos da mãe ao telefone, o que a enraivece de uma raiva calada, catarro. gosta de cadeiras de balanço desde criança e de beijar os olhos fechados de quem ama. sempre se emociona com a dor dos outros e inventa tantas tristezas, tantas. tem queda por vícios.
se tivesse coragem, pularia a janela e deixaria de sentir vergonha da sua imagem. mas todo dia todo dia volta prá casa e ao chegar é que se lembra que nunca teve casa nem pouso. muda de sonho toda segunda, esbarra onde não pode, por ser imensa e pequenina. atrás das portas, é de encostar a cabeça na parede de olhos fechados e refugiar-se covarde e menininha em seus pensamentos, neles sempre tem...

publicado em 04/06/2009.